Mais dois dedos de yaguismo

Quando escrevi que Lutero e Calvino haviam reduzido a Eucaristia a um memorial, o Yago  Martins respondeu, com ar triunfante, citando trechos em que os dois líderes protestantes afirmavam resolutamente a presença real de Cristo no pão e no vinho daquele sacramento. O problema, que o homem dos dois dedos não percebeu ou não quis perceber, é que eles não afirmaram “a” presença real no sentido literal e forte que a Igreja Católica designa como “transubstanciação”, e sim apenas aquilo que ELES PRÓPRIOS entendiam por “presença real”. E o que é que eles entendiam? Lutero dizia que as espécies eucarísticas NÃO SE TRANSMUTAVAM no corpo e no sangue do Salvador, mas continuavam intactas na sua estrutura material, sobre a qual Jesus apenas “se depositava” por um meio que veio a ser chamado de “consubstanciação” e que o próprio Lutero confessava não saber que raio de coisa fosse. Calvino, por seu lado, acreditava que Jesus ali estava presente apenas “em espírito” e “para a fé”.

Uma boa teoria é, por definição, aquela que explica os fatos. A transubstanciação explica o fenômeno das hóstias que sangram, infinitamente repetido através do mundo e conformado laboratorialmente pelo dr. Ricardo Castañon.

É óbvio que, se uma hóstia sangra, ela é carne e não somente pão, nem muito menos “presença espiritual”.

Não podendo dar conta desse fenômeno nem pela teoria de Lutero nem pela de Calvino, muitos protestantes (não se se o próprio Yago também) têm de explicar esse milagre eucarístico seja como trapaça, seja como obra do demônio. No primeiro caso, jamais houve sequer uma tentativa séria de provar trapaça no caso de algum milagre eucarístico oficialmente reconhecido pela Igreja. A segunda hipótese pode ter um tremendo impacto como insulto, mas, logicamente, resulta em dizer que o demônio tem o poder de transmutar a matéria, o qual Deus não tem. Sto. Agostinho já observava que nada agrada mais aos demônios do que exagerar o alcance dos seus poderes. O diabolismo involuntário dessa explicação já denota uma confusão mental que pode, esta sim, ser explicada seja como fruto da inépcia natural, seja como obra dos demônios.

A Eucaristia é o meio pelo qual o fiel, absorvendo o corpo e o sangue de Cristo, vai transformando neles o seu próprio corpo e o seu próprio sangue, e assim participando do sacrifício do Calvário não somente em espírito, mas materialmente, pelos seus sofrimentos terrestres.

Se não há transmutação, se o pão e o vinho não são materialmente o corpo de Cristo, se são apenas o inalterado suporte material de uma presença misteriosa, o que se come e se bebe na Eucaristia é somente esse suporte, e não necessariamente a presença, já que o próprio Lutero se recusa a expor algum nexo de necessidade entre uma coisa e a outra.

Se, pior ainda, a presença é somente espiritual e “para a fé”, não se vê como um elemento puramente espiritual poderia ser comido ou bebido. As palavras de Cristo, “Quem não come do meu corpo nem bebe do meu sangue não terá a vida eterna”, reduzem-se assim a uma metáfora despropositada e de um mau-gosto macabro. É literalmente assim que o Yago as interpreta, julgando-se, nisso, muito fiel a Cristo, o que mostra um estado de desorientação mental quase psicótico.

Segue-se daí a conclusão inevitável de que, tanto no luteranismo como no calvinismo não há integração do corpo do fiel no corpo de Cristo, nem participação real no sacrifício do Calvário, nem, portanto, Eucaristia nenhuma, apenas uma intenção ou vaga imitação de Eucaristia – um “memorial”, na melhor das hipóteses.

O problema com o Yago Martins é que, lendo mal, ele se apega ao sentido imediato e aparente do texto, em vez de compreender a sua lógica interna. Confesso que, tendo sido um tanto compacto e sumário demais na questão do “memorial” e presumindo da inteligência do leitor, cavei involuntariamente no chão um buraco no qual o homem dos dois dedos se apressou em mergulhar, quebrando ali não só os dois dedos, mas as duas pernas.