Éguas que falam (1)

Na abertura dos seus primorosos e eminentemente dispensáveis comentários à minha entrevista, o repórter Fred Mello Paiva descreve a vitória de Jair Bolsonaro como uma catástrofe sem precedentes e diz enxergar na minha pessoa “a chave para compreender onde fomos amarrar a nossa égua”.
A égua, entende-se, é o Brasil — a montaria que, amarada em local impróprio, se desgarrou dos seus donos e agora anda por aí com presunções obscenas de decidir o próprio destino sem consultar os sábios conselhos daqueles que criaram quatorze milhões de desempregados, setenta mil homicídios por ano, um rombo de trilhões nos cofres públicos e a redução do sistema nacional de educação à maior fábrica de analfabetos funcionais que já se viu no mundo.
Compreendo que tais criaturas vejam na nação brasileira nada mais que uma égua, um bicho para ser amarrado, chicoteado, domado, arreado, montado, reduzido à mais vil obediência e por fim morto e esfolado para servir de repasto aos sinhozinhos.
Mas haverá quem ache um absurdo acintoso chamar um país de égua e ainda confessar abertamente que a amarrou. Eu, por exemplo, em todo esse episódio só vi uma égua — o próprio Fred Mello Paiva –, mas estava desamarrada, puiando e relinchando como louca. Talvez estivesse também por ali o Mino Carta, mas não o vi.